This is a SEO version of jornal_ed22013. Click here to view full version
« Previous Page Table of Contents Next Page »35 Informativo FAESP | ABRIL - MAIO /2013
A cara da seca
Matéria publicada pela Revista Globo Rural, na edição de abril de 2013) e enviada ao presidente Fábio Meirelles pelo presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Norte, José Alves Vieira
A agricultora Maria da Saúde Tor-res improvisa versos de repentista para cantar uma realidade que só rima com sofrimento. Antônio Arruda da Cunha perde noites de sono pensando em como pagar uma dívida que ultra-passa R$ 1,5 milhão e evitar a falência do seu rebanho leiteiro. O pecuarista e advogado Raimundo Nóbrega Filho ameaça ingressar com uma ação judi-cial contra o Estado para recuperar o prejuízo de R$ 600 mil que teve com a morte de 500 animais.
A estiagemque assola o Semiárido do Rio Grande do Norte há mais de 15 meses, considerada uma das piores entre as piores dos últimos 50 anos, só muda o tamanho do desespero e das perdas de cada família. Com 93% dos municípios potiguares localizados na região do Semiárido – área de baixa umidade e pouco volume pluviomé-trico –, a falta de água atinge a todos, mas arrasa quem vive da agropecuá-ria. Amédia anual de chuvas, que seria de 500 a 600 milímetros, chegou a 56 mm em 2012. “A autoestima dos pro-dutores é a pior possível. O semblante é de derrota e humilhação”, diz o pre-sidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Norte (Faern), José Álvares Vieira, ao fim de uma expedição que rodou 1.100 quilô-metros e visitou seis municípios da re-gião – Lajes, Santana do Matos, Assú, Apodi, Pau dos Ferros e Caicó. Nove grandes secas e milhares de quilômetros percorridos para buscar água e capim em lombo de jumento resumem parte do vasto currículo do historiador Petronilo Hemetério Filho no assunto. Ele, que também é produtor rural, confessa que a si-tuação é vexatória para o homem do campo. Só mesmo a insistência hereditária e a falta de perspectivas fazem o sertanejo se submeter a uma lógica tão cruel. “O agricultor fica com perturbação psicológica. Sente
na pele o trabalho de anos se acabar numa só seca. E, quando volta a cho-ver, ele começa tudo de novo, vem a esperança, mas aí vem outro inverno sem chuvas”, testemunha.
Segundo levantamento da Faern, houve mais de 90% de perda na agri-cultura. As culturas de feijão e milho foram quase totalmente devastadas. Em outras plantações tradicionais, como a castanha, a mandioca e a cana-de-açúcar, haverá redução de 30% a 70% na produção. O governo estadual fala em um rombo de R$ 5 bilhões e na perda de, aproximada-mente, 75% de toda a safra agrícola e de 50% na pecuária. Até mesmo a fruticultura potiguar, conhecida pelo uso intensivo de irrigação, sente o impacto da secura. Com os poços sem vazão, parte das lavouras de me-lão, mamão, manga e abacaxi regis-trou queda. Tradicional produtor de mel, o Rio Grande do Norte também contabiliza quebra na atividade. “Já existe um deficit de alimentos de pri-meira necessidade em ano normal de chuva e, com essa seca, triplicaram as dificuldades. Vai levar anos para re-cuperar”, calcula o economista Luís Gonzaga Araújo e Costa.
Nenhum impacto é tão devasta-dor para a economia e desagradável para a visão e o olfato quanto o pro-vocado na pecuária do Rio Grande do Norte. O rebanho de cerca de 1 mi-lhão de cabeças deverá ser dizimado em 30%, seja pela morte provocada pela fome, pela sede ou pela venda. O cenário de horror é quase sempre o mesmo: cemitérios de carcaças ao ar livre que, de tanta fartura, enjoam até mesmo os urubus. Encurralados, aos produtores só cabe esperar a morte dos animais ou tentar vendê- -los por um preço irrisório. “O que não foi vendido morreu por falta de comida e água. O dinheiro que eu gasto para manter é três vezes maior
que o preço de venda”, conta o pe-cuarista Edson Cavalcanti, que dos 150 bovinos que tinha só conseguiu manter 42.
Quem não desiste da criação pre-cisa buscar alternativas em outros Estados – farelo de soja, palha de mi-lho e bagaço de cana – para garantir a sobrevivência do gado por mais al-gum tempo. Outro recurso é queimar o xique-xique ou o sodoro – cactácea que serve como fonte de nutrientes. Em situações extremas, alguns ultra-passam a fronteira da legalidade. Um pecuarista, por exemplo, apelou para uma prática proibida pelo Ministério da Agricultura desde 2004 e utilizou “cama de frango” – fonte de proteína barata, mas que pode transmitir uma série de doenças, como encefalopatia espongiforme bovina (EEB) e botu-lismo – na dieta animal. “Eu sei que é proibido, mas maconha também é e o pessoal fuma. Então, por que eu não daria cama de galinha para o meu re-banho?”, questiona.
A barrenta água que ainda resta geralmente vem de pequenos açudes ou de cacimbões existentes nas pro-priedades. A magreza é tanta – ani-mais que pesariam 350 quilos estão com 100 – que os empregados das fazendas precisam ajudar os mais fracos a ficar de pé. “Há seis meses o pessoal trabalha para levantar gado”, revela o produtor Paulo de Lucena Costa, de Pau dos Ferros, que já per-deu mais de 100 das 300 reses que tinha. Francisco Sobrinho de Souza, de Apodi, inventou o que ele chama de “pronto atendimento”, um espaço dentro de um curral onde ele amarra os debilitados com pedaços de teci-dos em toras de madeira fixadas a uma carroça antiga. “Quando o gado está caindo, vem para cá. Aqui vou cuidando, dou comida e medicamen-to”, explica o “quase” veterinário.
This is a SEO version of jornal_ed22013. Click here to view full version
« Previous Page Table of Contents Next Page »